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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Tenho medo de ir no circo e o palhaço rir da minha vida.

Certa vez li, de Lygia Barbiére Amaral, num trecho esporádico, onde um Palhaço fazia uma dissertação sobre o mágico e estranho fenômeno da tristeza e da alegria andarem juntas, que esse curioso e antológico personagem, tinha toda uma característica poética e sofrida em sua essencial composição.
Explicava que o nariz vermelho era de tanto chorar e cair de cara, a maquiagem, pra disfarçar os tristes traços marcados pela vida, os sapatos e as roupas largas e esfarrapadas, eram a doação ou o que sobrou pra ele usar... e que, o fazer rir, era o meio pelo qual, ainda que inconscientemente, o Palhaço usava pra suprir e amenizar sua dor e suas questões intrapessoais mal resolvidas. 


E naquele dia cinza, de áurea derrotista, no circo, olhei de maneira diferente para o Palhaço, vendo o que havia por trás das esquetes reprisadas e do jogo de luz. Pude sentir um peso mórbido naquela criatura. Assisti numa visão paralela ao espetáculo, um apanhado de cenas soltas, de abandonos, sonhos mortos, pessoas decepcionadas, acusações fundamentadas, correntes amarradas aos pés e a culpa, uma tamanha culpa, que formava em torno daquele pobre miserável um campo de força fluídica de cor escura... por um instante condenei, depois, senti pena, mais do que sentia de mim.


Notei que ele me encarou, e num susto de lampejo voltei à atmosfera comum à todos. O som outrora abafado em segundo plano, tomou altura exagerada em meus ouvidos, fazendo atordoar as idéias. Ainda no mesmo segundo, percebi que todos riam menos eu, a quem o Palhaço encarava. Forcei o sorriso, ri sem querer do que não sabia o que, e ele, reprovou em expressão. Depois caminhou aos saltos lentos e lúdicos até mim, olhou-me dentro da alma, e riu, gargalhou de verdade, como se estivesse enfim encontrado alguém num estado de espírito pior do que o dele. Riu com desabafo, com resignação. O som subiu, ele correu pra dentro, o público aplaudiu. Me senti peça do número, aquele laranja que é "usado" para dar vida à piada.
Levantei, e em todo o caminho de volta repeti para um espelho imaginário...
"Fui no circo e o Palhaço riu da minha vida".

Rafael Chaaban