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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O LEITE (derramado) DA MULHER AMADA

O ano é de 2004, pré temporada de verão em Maresias no litoral norte de São Paulo. Sempre gostei de chegar antes do verão nas praias em que escolhia para passar a alta temporada, eram muitas as vantagens em me antecipar: Conseguir uma boa instalação, conhecer os moradores nativos da região, bem como os comerciantes, donos de bares, mercados, restaurantes, e afins.
Assim foi em Maresias, tive a alegria de reencontrar um casal de amigos do interior de São Paulo que estavam trabalhando no ramo de hotelaria, estavam bem instalados numa casa alugada no pé do morro, era mobiliada, agradável, com dois quartos, quintal e há dez minutos da praia.
Carregava meu pequeno herdeiro que acabara de completar três meses de vida.
À convite, dividimos a aconchegante casa com o casal. Tínhamos uma amizade muito saudável, os laços que nos uniam eram os da arte, o Estevão, era músico como eu e também artesão, tocava violão, cantava e era um exímio percussionista, a Mary, uma vocalista de sensibilidade ímpar. Pra completar, nossos gostos musicais andavam de mãos dadas em perfeita harmonia.
A cidade ainda estava "vazia", só os caiçaras com suas pranchas na praia, nos finais de semana alguns poucos turistas apareciam, nessa época, a praça de Maresias era liberada para a exposição de artesanato da malucada, havia espaço para todos, um quiosque de informações e uma rampa que dava acesso à praia.
Debaixo de um pé de jambolão fiz meu ponto, embora não haja lugar marcado, existe um código de ética oculto na estrada, que dá a preferencia de local pra quem chegou antes e/ou tem família. Na estrada esse é só mais um de muitos desses códigos de ética não combinados mas naturalmente respeitados. É claro, sempre há quem o desrespeita, assim como para as leis de uma cidade, e pra esses, sempre ocorre uma repressão.
Toda cidade tem um ponto "oficial" onde a malucada se encontra, geralmente na praça central ou numa avenida movimentada, esses pontos são chamados de "pedra". A pedra em Belém, é a Praça da República, em Goiânia, o Ginásio Rio Vermelho, Curitiba, o Largo da Ordem, Manaus, Praça da Polícia, em São Paulo há mais de uma pedra, São João, Paulista, República... em Maresias era ali na praça de frente pro mar.
Há um mês na cidade, eu já conhecia bastante gente, o dono e os funcionários da padaria, o Edu, do Bar do Edu, moradores, hoteleiros, turistas que tinham casa em Maresias e apareciam aos finais de semana, salva-vidas, surfistas, moleques, putas, traficantes e até o padre. O maluco de estrada, é um personagem incomum que atrai todo tipo de gente, acredito eu, que as pessoas (não preconceituosas) enxergam nele um ser desprovido de julgamentos, aquele que não julga ninguém, que tem a mente aberta, tem experiencia de vida pelas suas andanças, respeita a natureza, e não se surpreende com o segredo de ninguém e por fim, aquele que daqui uns dias vai sumir assim como apareceu. Por isso acredito ter sido tantas vezes escolhido para ouvir confidências e desabafos em geral.
Por estar vindo de uma comunidade Hippie localizada no Norte de Minas Gerais, lá pras bandas de Curvelo na beira do Rio São Francisco, estava eu com um lindo e vasto painel de naturezas, colares das mais variadas sementes que se possa pensar, jatobá, açaí, olho de tigre, pau brasil, carnaúba, saboneteira de macaco, coco, bambu, flamboyant, cedro, jacarandá, tiririca e outras mais. Havia ganhado muita sucata (punhado de material sortido como, pedras, sementes e miçangas) da galera que estava na comunidade mineira, e tinha material pronto pra venda em estoque para todo o verão.
Todo dia era dia de festa, churrasco, cervejada e muita piração. O verão é o auge do ano para os artesãos, muitos malucos passam o ano coletando material para estourar no verão. Assim eu seguia aumentando a coletividade e ganhando dinheiro, usava um chapéu de duende que havia ganho de um camarada em Poços de Caldas-Mg, não o tirava da cabeça e por isso, em Maresias era conhecido como "Gnomo". Assim como na história da formiga e da cigarra, sempre aparecia um maluco que não havia trabalhado o suficiente para a época propícia, e passava o dia entortando arame atrás do pano. Uma vez que mal podia carregar minha própria e imensa bagagem, doei muito material naquele verão, para micróbios que nada tinham e para malucos que já conhecia de outras divisas.
Tranquilo em relação a reposição da mercadoria que saía , passava as tardes tomando cerveja e tocando violão atrás do pano, sempre aparecia um doido com uma percussão, outro violão, uma gaita, flauta e até uma garrafa pra acompanhar. A música é uma porta que dá para um imenso universo, aprendi na estrada em todos esses anos que, onde você parar e dedilhar um violão, aparecerá alguém para interagir, a música é a linguagem universal que atrai o descalço, o engravatado, o honesto, o político... e assim eram as tardes na beira mar entre um mergulho e um baseado e outro.
O fluxo de malucos nas praias nessa época é muito grande, estacionado ali pude ver passar uma galera incontável, todos os dias chegavam e iam vários e variados tipos de malucos, músicos, brigões, micróbios, jagatás, poetas, mercenários, doentes, engraçados, circences, parasitas, gatunos, vegetarianos, latinos, punks, rastas, coroas, novatos, considerados, fugidos, atores e tantos mais. Eis que para a minha alegria, numa dessas levas de malucos reencontrei um grande irmão e parceiro de caminhada de muitos anos, o Xanxan!
O Xan é natural de Biriguí-SP, vinha do norte, havíamos nos visto pela última vez em Felixlândia-MG e Brasília-DF, respectivamente, onde tínhamos feito muito som, na ocasião passada ele viajava com o Cipó, outro grande parceiro de estrada e uma polonesa chamada Paulínia, que tocava lindamente um violino. O Xan é um dos percussionistas mais extraordinários que eu já conheci, viajava com uma tralha imensa, pratos, timba, bongô e vários outros adereços de percussão, andava sempre sozinho, era calado, não bebia muito e usava pouca droga. Tocava tudo de MPB mas era um fã incondicional de metal pesado, cabelos bem compridos e só não o rosto tatuado, conseguia ser mais magro que eu. Carregava sempre uma pequena asa delta com trabalhos de arame e linha.
Como todo reencontro, comemoramos com muita música e bebidas. O Estevão e a Mary também conheciam e gostavam do Xan, que já tinha feito muito barulho na cidade deles em outros carnavais... ficaram muito contentes em recebe-lo e agregá-lo ao nosso lar.
Foi então que numa das noites de churrasco e música em casa que notamos que éramos um grupo musical completo e de alta qualidade. Havia um bar chamado Iguanas Bar, que tinha uma decoração artesanal, bem a nossa cara, e foi lá que decidimos fazer uma proposta de nos apresentarmos numa noite qualquer. O dono do bar pediu pra que fizéssemos uma canja, sem plugar, apenas em acústico pra ele ouvir nosso som.
Assim foi, chegamos no dia combinado, antes do bar abrir e decoramos o palquinho coberto que ficava na parte de fora, no quintal do bar. O Estevão, é um artista plástico fenomenal, possuía um violão que havia pintado com a temática dos Ompaloompas, além disso tínhamos muitos adereços artesanais que penduramos e espalhamos pelo bar, filtros dos sonhos, mensageiros do vento, incensários de todos os tamanhos, a percussão era composta também por vários instrumentos artesanais, indígenas, feitos com sementes, e sucata reciclada, tudo muito colorido e cheio de vida. Trajávamos cartolas e chapéus, calças listradas e envelhecidas, capas, coletes e muitos adereços exclusivos feitos por nós. O Xan montava sua percussão de uma maneira curiosa, nada convencional, era na verdade uma timbatera, ele sentava em cima da timba, organizava as peças e tirava um som descomunal, quem ouvia da rua pensava que era um baterista e um percussionista tocando juntos. Um dia antes, havia chegado o Marco de Marília-SP, um colega nosso que é guitarrista, músico profissional e também passaria aquele verão na cidade. O Marco já tocava com o Estevão, a sintonia foi imediata. Antes mesmo de começarmos a tocar, o nosso possível contratante já se mostrava deslumbrado pelo efeito visual do grupo. Nosso repertório percorria Jorge Ben, Tim Maia Racional, Mutantes, Raul Seixas, Reggae, Caetano, Gil... e outros que a época e o local pediam, como O Rappa, Marcelo D2 e alguns mais. Eu e o Estevão dividíamos os vocais e violões base e nos alternávamos nas percussões, o Marco segurava na guitarra os solos, arranjos e harmonia, a Mary preenchia as vocalizações com sua doce voz e o Xan swingava nas batidas com a precisão de um relógio que nos mantinha sempre no compasso, como um maestro.
Modéstia a parte, nosso som era lindo, tocávamos com alegria de viver, a diversão estava no ar, fluía como a fumaça do incenso, penetrando em nossas almas e nos dando asas para voar por lugares jamais conhecidos por nós. Não deu outra. Fechamos todos os sábados no Iguanas Bar. O dono do bar nos ofereceu um bom cachê e bar aberto durante as apresentações, na alta temporada faríamos por couver.
Precisávamos agora de um nome para o grupo, eram muitas as idéias que brotavam daquelas cabeças enfumaçadas, mas não chegávamos nunca a um consenso. Até que o Estevão tirou de um livro que estava lendo, o nome "O LEITE DA MULHER AMADA", foi risadaria geral, mas depois das gargalhadas, nos olhamos e percebemos que era a nossa cara, ficou.
A sonzeira ia de vento em polpa, eu já estava há 3 meses na cidade e agora com O Leite da Mulher Amada, era ainda mais conhecido, o que me ajudava a faturar ainda mais com o meu artesanato. Numa das nossas apresentações, numa das noites no Iguanas Bar, contamos com a presença do Tomate, o guitarrista do Jô Soares que nos prestigiou e deu uma canja pra galera.
A temporada estava em alta, tudo lotado, gente chegando de toda parte, dezembro avançava e o reveillon se aproximava, recebemos a notícia de que o Iguanas Bar, já havia fechado com um DJ de São Paulo para tocar na virada do ano, antes de nos conhecer, decidimos então procurar um local par fechar um contrato.
Atiramos alto e acertamos, o bar Oasis, que ficava na beira mar, era um dos mais badalados da cidade. Era restaurante e bar, tinha a frente para a avenida e os fundos para a praia, procuramos o responsável, vamos chamá-lo de "M". Nos recebeu com ar prepotente logo dizendo "Cadê o material de vocês?" explicamos que não tínhamos nada em mãos pois éramos um grupo de amigos que haviam se encontrado para fazer um som sem compromisso naquele verão, M torcia o nariz para nós quando uma moça saiu de trás do balcão e perguntou entusiasmada:
-Eles vão tocar aqui M?
-Não, eles não tem nenhum material... - respondeu com desdenha.
-Há M... eles são bons! Vi eles tocando num barzinho esses dias, tava bombando!
A moça descreveu para M a nossa performance, de maneira a convence-lo da nossa qualidade. M nos convidou para tocar no fim de semana, mas estávamos apenas interessados no final de ano. Depois de muita chatice e uma oferta baixa de pagamento, fechamos com M, o reveillon era nosso.
Passou-se uma semana e apareceu em Maresias uma figura, vamos chamá-la de "L", era uma cantora profissional, tinha uma ótima presença de palco e uma voz forte, não me lembro bem se ficou hospedada no hotel em que a Mary e o Estevão trabalhavam, mas sei que se conheceram e ela foi nos ver tocar numa noite de sábado. No intervalo do som, a convidamos para uma canja, e a figura simplesmente arrebentou. Depois da apresentação fomos para a padaria 24 horas fazer um lanche e não sei bem como, a L entrou para o Leite da Mulher Amada naquele momento. Parecia bom ter um reforço profissional para o grupo, até porque não conhecíamos a mau caráter que era a L.
No primeiro ensaio conosco, L perguntou se já tínhamos  fechado algo para o fim de ano, ao saber do cachê oferecido por M à nós, pediu que deixássemos ela resolver essa questão, uma vez que já conhecia M de outros verões. Seu plano era ir sozinha até o Bar Oasis, e tentar vender o show de reveillon para M, não mencionaria que nos conhecia, diria apenas que estava na cidade com a sua banda. E dessa vez faria M assinar um contrato legal.
Assim aconteceu, L retornou com um contrato assinado por M, que contratava O Leite da Mulher Amada para o Jantar Show de reveillon do Oasis. M não sabia que estava contratando a mesma banda, até porque, quando nos contratou pela primeira vez nem sequer perguntou o nome do grupo. O detalhe principal dessa história, é que no contrato agora estabelecido, o valor do cachê havia triplicado!
Chegou o esperado dia, a instrução é que chegássemos ao meio dia, afim de montar o equipamento e deixar tudo pronto para mais tarde.  Fomos eu, Estevão, Marco e Xan. Chegando lá começamos a descarregar o material quando M nos interrompeu com seu jeito arrogante de ser:
-Oououou, que isso aê?
-Que isso o que cara? - respondeu Estevão de cara fechada.
-Vocês sumiram, eu contratei outra banda brother! - disse com certo prazer.
-Bom, então eu acho que você tem que nos pagar uma multa por quebra de contrato... - nesse momento Estevão estendeu uma cópia do contrato e ao ver que havia assinado com a mesma banda, M ficou vermelho e correu ao telefone para ligar para L.
Enquanto esbravejava no telefone, tratamos de agilizar a montagem, estava um belo dia de sol e o clima de festa estava no ar. O esquema montado no Oasis era perfeito, o palco ficava nos fundos do restaurante, numa área aberta, do lado direito do palco ficava o restaurante, do lado esquerdo a praia. Começaríamos a tocar às 20 horas, pagando uma quantia considerável, o freguês poderia desfrutar de um rico buffet e bebida a vontade, enquanto isso, faríamos um set musical leve, música de sala de jantar. Às 23:45, a entrada seria liberada para todos, as mesas retiradas e o acesso para a praia aberto, permitindo que quem estivesse na areia pudesse ver o show. Tudo muito bem preparado.
Voltamos para casa e começamos a concentração, comida leve e cerveja de leve para estarmos bem dispostos pra aquela noite especial.
Faltava cerca de 2 horas para a apresentação quando L veio com seu próximo golpe. Disse-nos que estava preocupada com a qualidade da apresentação, e que pensando nisso havia trazido um "reforço harmônico" para a banda. Tratava-se de três caras, que entraram na casa assim que ela fez o tal pronunciamento de preocupação. Foram nos apresentados por ela como músicos que trabalhavam com ela há muito tempo, ficariam na retaguarda, fazendo a marcação de percussão. Eu e o Xan, macacos velhos que éramos, nos entreolhamos percebendo a intenção de L, mas o resto da banda acabou embarcando na fantasia e abraçando a ideia. na verdade havia uma insegurança no ar, pela falta de experiencia, e pela própria situação a qual as coisas vinham se desenrolando. Mas o fato é que a manobra de L era para papar 4 partes do cachê, provavelmente aqueles caras eram seus parentes (existia uma forte semelhança), e ela os ofereceu jantar e bebida a vontade para, de quebra, tirar uma onda de artistas.
Àquela altura, não seria legal arrumar confusão entre o grupo, além do mais, naquele momento o cachê era o que menos me motivava, tinha uma boa grana guardada, e estava focado apenas em tocar.
Chegamos ao restaurante e iniciamos os trabalhos, um repertório agradável de MPB pra que as pessoas pudessem ouvir, comer e conversar à vontade.
O som estava impecável, muito bem equalizado, tudo correndo bem, o "reforço harmônico" que nem sequer instrumentos tinham, ficaram em segundo plano no palco, um com o pandeiro, outro com um ganzá e o terceiro com um xequerê. Enquanto isso, eu e Estevão, Marco e Xan, sim, suávamos para segurar literalmente o reggae. O restaurante estava lotado, M que até aquele momento mal havia olhado para a nossa cara, passou pela frente do palco e no intervalo de uma música para outra nos fez um elogio do tipo: "Legal galera, tão mandando bem!". M era um burguês, baixinho e troncudo, tinha um cabelinho loiro e crespo, que amarrava para trás, usava sempre camisetas de Jiu Jitsu e surf. Sua mãe, que ficava no caixa, era uma dessas madames carregadas de jóias e maquiagens fortes, que olhava para todos com ar de superioridade.
Faltavam menos de 10 minutos para a meia noite, a praia estava lotada, não podíamos ver pois havia uma especie de toldo que escondia o restaurante de quem estava na areia. e foi nesse momento, já ao som dos primeiros fogos de artifício, que o toldo foi desamarrado e se desenrolou ao mesmo tempo que uma bateria de chuva de prata era disparada do nosso palco, sem ter preparado nada, coincidentemente nessa hora estávamos tocando" Redemption Song" do Bob Marley, foi uma cena mágica que guardo com riqueza de detalhes até hoje, a areia estava completamente tomada de pessoas, que pareceram se voltar para o palco ao mesmo tempo em que se abraçavam e cantavam em coro com a gente. 2005 havia chegado, e na melodia daquela canção, a praia parecia estar em perfeita comunhão pela paz e pela harmonia de viver.
Passado esse momento nostálgico, embalamos uma sequência de músicas dançantes e agitadas e a galera inundou o restaurante dançando e cantando, havia gente em cima de mesas, dançando na água, fazendo rodas, nós nos olhávamos no palco e a energia era fora de controle, não conseguimos nem nos saudar de tão frenética que estava a sequência musical. Algumas lágrimas rolaram discretas pelo palco durante os momentos narrados.
Já eram 1:30 da manhã, quando decidimos fazer uma pausa, a primeira da noite, estávamos tocando há mais de 5 horas sem parar. O grupo tinha uma versatilidade incrível, trocávamos de posição a todo momento, todos tocavam de tudo, era um modelo estilo Os Titãs, cada música era cantada por um integrante. No momento do intervalo, era o Estevão quem estava à frente nos vocais e anunciou a parada. No mesmo momento, surgiu na frente do palco a figura de M, gritando algo do tipo: "CÊS TÃO LOUCOS? PARAR AGORA? PODE CONTINUAR! O BAR TÁ BOMBANDO!!". O Estevão o ignorou, colocando o violão de lado e dando as costas. Pois o pitbull loiro, não contente, subiu ao palco e ordenou que voltássemos a tocar imediatamente, Estevão o encarou de perto e disse que não, pois já era o tempo de fazer um intervalo. Os ânimos estavam exaltados, M e Estevão se encaravam em cima do palco, todos já tinham bebido bastante e aquele sentimento de traição de ambas as partes pareceram brotar novamente naquele momento. Os dois batiam boca em frente ao microfone ligado, de maneira a potencializar ainda mais o que diziam. A galera lá embaixo assistia o acerto de contas. M dizia que havíamos o enganado, Estevão o chamava de homem sem palavra, foi quando o estopim básico de qualquer briga foi acionado, a tentativa de separá-los.
Mary entrou no meio dos dois, que discutiam fervorosamente, não sei quem deu a primeira, só sei que numa fração de segundos, estavam agarrados em cima do palco.
O grupo todo entrou no birimbolo, M caiu por baixo de Estevão, e o usava como proteção da chuva de pancadas que vinham de todo lado, uma galera subiu no palco, eram todos contra M. Afinal, éramos a banda que estava fazendo a festa e tínhamos total empatia da galera.
Instrumentos viraram armas, uns aproveitaram para surrupiar microfones, outros queriam tirar uma casquinha daquele que tinha tesourado o som, eu dei apenas umas batidas de agogô na cabeça de M, mas estava mais interessado em tirar o Estevão das garras dele.
Depois de alguns minutos de confusão, conseguiram arrastar M para dentro do Bar, o cenário era de guerra, mesas viradas, garrafas quebradas, pedaços de instrumento por todo o palco e aos poucos as pessoas se dispersaram pela praia para outros bares.
M ainda queria pegar o Estevão, que foi escoltado rapidamente para casa junto com Mary. O Marco levou um mata leão de M como despedida, L e seu reforço harmônico, viraram peido no meio da batalha. Eu e Xan ficamos para recolher os cacos.
Antes de sairmos, M caminhou até nós, estranhamente não estava com raiva de nós, disse que fomos os únicos que não batemos nele, que faria o pagamento no dia seguinte, e que disséssemos ao Estevão que sumisse da cidade ou ele iria achá-lo e quebrar cada osso de seu corpo.
Pegamos uma marmita e fomos embora.
No dia seguinte, voltamos ao Oasis, L já havia recebido suas 4 partes do cachê, M decidiu fazer um cheque para cada integrante, de maneira que pagaria um por um em mãos, sabia que Mary e Estevão não voltariam lá, talvez nem o Marco... cobra engolindo cobra. Não duvido que L, que era amiga de M, possa ter ficado com as partes de Marco, Estevão e Mary também, o que sei é que eu e Xan, pegamos a nossa e torramos no mesmo dia no bar do Edu, era cerca de 350 reais para cada um.
 Assim, O Leite da Mulher Amada foi desfeito naquele verão, Estevão foi embora da cidade com Mary, Marco também sumiu,  L e o trio harmonia se apossaram da casa em que morávamos assim que saímos.

Como não adianta chorar pelo leite derramado, eu e Xan seguimos em "carreira solo" naquele verão por outras praias... afinal, o show não podia parar.

                    Rafael Chaaban.