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domingo, 30 de junho de 2013

NÁUSEAS E NOSTALGIA

   Naquela noite, Atílio fora mais cedo para a cama, não por outro motivo se não a intensão de adormecer sua obsessão compulsiva pela substância. Passava das 20h quando já deitado num colchão de casal, largado no chão do quarto da pequena Marina, meteu-se por entre o acolchoado edredom e se pôs em batalha contra si. 
   Bem e Mal, Id e Ego, Anjo e Demônio, Carne e Espírito, Razão e Emoção... Seja lá qual for a melhor denominação, duas forças travavam a finco uma luta silenciosa aos ouvidos, mas cruelmente perturbadora em seu interior. Enquanto a Razão sinalizava fria e assertivamente que o mais sensato seria permanecer deitado, a Emoção berrava a plenos pulmões, aliada ao desejo, para que o infeliz partisse para mais uma lancinante jornada. Utilizando-se de sua mais forte arma, a  impetuosa Razão, através dos arquivos  da memória, trouxe a tona as dolorosas experiências vividas por aquele pobre homem. Funcionou. Aquela batalha fora vencida, e em alguns poucos e longos minutos o sono se fez achar.
    Maldito seja o desconhecido e submerso inconsciente doentio, que age sem  o consentimento e como um touro selvagem, não se deixa dominar. Atílio não só despertou, mas num só pulo se pôs em pé, dali em diante já não era ele, mas a doença quem ditava as regras do jogo.
    Nem o sono, nem o frio da úmida madrugada, nem mesmo o amor por sua mulher e pela filha, poderiam se valer naquele instante. De passo firme e foco inabalável, passou a mão na carteira e no molho de chaves se colocando pelo corredor que dava acesso a garagem. Já não lhe importava o horário, bem como se aquele dinheiro fosse do pão sagrado do dia que viria, ou ainda, o compromisso com o trabalho no dia seguinte. Importava sim o saciar do desejo, o prazer imediato por vir, que de tão ardentemente aguardado, provocava-lhe cólicas, tremores, calafrios e ânsias.
    Onde se achar nesses repetitivos acontecidos, o verdadeiro amor em Atílio, aquele de pai coruja, de marido apaixonado, de filho grato. Como a inerte substância material tomava tamanha importância para aquele homem? Importância esta, maior da que nutria pelo aconchego de seu lar, pelo zelo de sua esposa, pelo meigo e puro sorriso de vossa filha... E, o que se seguia ao fim de cada tormenta era a depressão, aquela culpa sem tamanho que definhava o existir de Atílio a cada ciclo de uso, porém, não era necessário mais que dois dias para que essa dor se perdesse como a água suja que escapa pelo ralo da pia, e Atílio se lançasse ao jogo da sua autodestruição e prazer doentio novamente.
    Eis que numa quarta-feira cinza de julho, aquele homem dirigiu-se à um pequeno barraco de madeira em uma das tantas favelas que frequentava, e naquele laboratório onde as ratazanas não eram brancas, dividia o pouco espaço com outros quatro usuários de drogas, além do responsável pelo cafofo. De tempo em tempo, um ou outro dali saía, apenas para ir buscar mais uma dose, assim numa das vezes foi Atílio quem saiu para o frete, três travessas longe dali, um molecote de chinelos e meias se encontrava recostado num poste improvisado com um mourão, segurava uma sacola enquanto guardava algum dinheiro numa buroca a tiracolo. Antes mesmo que Atílio metesse a mão no bolso afim de sacar o dinheiro da investida, fez-se ouvir ecoando pelos becos escuros, seis disparos de arma de fogo bem perto dali. O gaiato do tráfico se escapuliu por entre as vielas sinuosas, Atílio por sua vez, ficou extasiado. Pensou em correr, mas pra onde? Ali mesmo ficou. Recostado ao muro, viu se romper o silêncio pelos curiolas que apareciam caminhando cautelosos na direção de onde vieram os disparos, direção esta, a mesma do recinto de onde Atílio saíra a poucos minutos. Vacilante, seguiu o movimento que o levou de volta ao mal acabado casebre, ao chegar na lateral do pequeno quadrado de madeira que outrora lhe servia como reduto de uso, avistou por entre a valise, os cinco homens, nos mesmos lugares e posições em que os tinha deixado, a cena era inerte, se não pela fumaça que exalava de dentro dos furos nos corpos, em que a pólvora ainda quente, queimava a carne daqueles pobres, sem vida e ainda com seringas e cachimbos em mãos. Por um instante, ele se viu ali,  junto aos corpos, e sua vida passou pelos olhos.
    Atílio fora livrado da chacina e em profunda reflexão, caminhou para o seu carro, onde por alguns minutos tremeu, respirou, pensou em Deus e em sua família, e naquele momento, decidiu: 
    "Vou usar droga em outro lugar!"


Rafael Chaaban.