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segunda-feira, 8 de julho de 2013

Fernando Pica Doce

    Filho de trecheiros, Fernando Junqueira nunca soube com certeza se nasceu em Apiaí ou Iporanga, certeza mesmo é que saíra do Vale do Ribeira antes de completar o primeiro ano de vida, em meio aos embrulhos e a bagagem rumou no sentido norte do mapa. Sua mãe que outrora se destacava pela disposição física que a vida estradeira exige, jazia ofegante, e só não mais triste porque tinha nos braços, aquele rechonchudo e simpático dorminhoco, seu primogênito. As belas pernas torneadas e os longos e firmes braços, se mostravam agora flácidos e castigados pela celulite.
    Foi em Anápolis que a pobre mãe de Fernandinho, como o apelidara uma recepcionista de hotel, se viu obrigada a recorrer a uma ama de leite, pois seus seios mais pareciam duas ínguas em carne viva, e convenhamos, o néctar materno é bem mais em conta do que as latas do leite em pó que se encontrava no armazém. Na maternidade Nossa Senhora de Lourdes, se fez achar Zulmira, uma negra grande, de costa e anca largas, pele macia e brilhante. Ama de três bebês recém nascidos, aqueles fartos seios de bicos inchados e úmidos, encarregaram-se também da alimentação de Fernandinho. Duas ou três mamadas diárias eram suficientes, vez ou outra, Zulmira não era encontrada, nesses casos, recorriam a Marta ou Lavínia, que doavam seu precioso colostro ao pequeno Fernando.
    O leite de três mulheres, além da mãe, contribuíram para o bom desenvolvimento do mimado e rodeado de seios Fernandinho.
    O pai de Fernando, conhecido como Zé do Rosário, era um cabra da peste, saído das bandas da Paraíba, tomava uns bons pileques e vivia a plantar desordens. Naquele ano em que Fernandinho completaria o seu quarto de vida, o velho Zé do Rosário, cujo o organismo vinha sendo consumido por uma febre dos diabos e uma insistente e aguda dor abdominal, dormia de pêlo no chão quando a morte o recolheu deste mundo.
    Fernandinho agora era todo de mãe, e ela dele. Sozinha e insegura a errante, agora sem a companhia de seu parceiro nos saculejos da viajada vida, correu para a casa de uma tia, lá pras bandas do Gurupi do Tocantins. E foi ali que Fernando, paparicado e bem cuidado pelas duas tias solteiras e sete primas (além de sua mãe), cresceu e viveu sua infância. Infância essa, um tanto quanto sem regras e sem posses, pés no chão de terra, casca de ferida, unhas sujas, só não pior devido ao zelo da mulherada, em meio a molecada farroupa se confundia como que camuflado, nem sua mãe distinguia  qual daquele bando de moleques e molecas era a sua prole.
    A renca que ia dos sete aos treze anos, se articulavam pelas ruas do centro, às voltas da matriz, no mercado e nas feiras, uns a esmolar, outros a afanar descuidos, vender jornal, cuidar de carros, passar santinhos e outras tantas. Sempre atrás do pororó, que se convertia em doces, baladeiras, papagaios, bulícos e afins. Porém, Fernando se destacava pela sua sorte com as generosas senhoras que volta e meia o levavam para tomar uma garápa, comer paçoca, um açaí moído, um bom caldo de piranha ou mesmo o chambarí matinal.
    Aos quatorze anos, Fernandinho agora era Nando, cuidado pelas tias, mãe e primas, era menos encardido, sua facilidade e desenvoltura natural ao trato feminino, lhe substituíra as molecagens junto aos barrigudinhos, por brincadeiras caseiras com Mirella, Jaqueline, Stefany, Malú, Sophia, Ana e Mariana, as primas, cujas as mães trabalhavam fora  e as confiavam aos cuidados da irmã pródiga, a mãe de Fernando.
    Stefany era de colo, suas irmãs Ana e Sophia, tinham nove e onze anos respectivamente. O outro grupo de irmãs era composto por Malú, que era um ano mais nova do que Nando, Mirella que era a mais velha da patota e as gêmeas Jaqueline e Mariana na pureza de seus cinco anos recém completados.
    Nando liderava o grupo:
    -Vamos brincar de casinha! Eu sou o papai, Mirella é a mamãe, a Jaque e a Mariana são as filhinhas...
    -E eu? - indagava a bruta e desengonçada Sophia. -Você é a empregada! - provocava o cabeça de chave. E continuava a delegar: -Vocês (apontava para Ana e Malú), são nossas amigas que virão nos visitar.
    No canto do pátio empilhavam caixas em cadeiras de maneira a se formar um cercado, enquanto as meninas se ocupavam em montar a cozinha, surrupiando talheres e panelas da casa, Nando forrava o chão com um tapete velho e realizava "Aqui é o nosso quarto!". Como era fácil para ele convencer as "filhas" a dormirem viradas para a parede, deslocar as "amigas" ao outro extremo do quintal e mandar a "empregada" fazer compras (apanhar limões e pinhas no terreno vizinho), e aí sim, se virar para sua "esposa" e chamá-la à dormir.
    Deitados de conchinha, Nando e Mirella se roçavam com um desejo tímido e cauteloso, que não era assumido, porém era consentido por ambos. Assim, até que as peças figurantes da gostosa brincadeira se cansassem da não diversão, os dois iam descobrindo os prazeres sensoriais do corpo e da carne.
    Os dias seguiam, formando meses, e enquanto a mãe de Nando se consumia em afazeres domésticos com Stefany encaixada ao quadril, agradecia aos céus pelas crianças que brincavam em silêncio no fundo do pátio.
    Vez ou outra, Nando mudava os papéis, alternando Mirella por Ana e Malú. A primeira se invocou a princípio, mas foi rapidamente convencida por Nando, de que, se não fizesse desta maneira, poderiam as outras contar tudo para a mãe, e aí, adeus brincadeira! Embora Mirella fosse sua preferida, Nando gostava da variação, dando os primeiros sinais claros de sua necessidade pelas conquistas e cuidados femininos. E foi a partir de tal necessidade que certo dia, a pouco delicada Sophia foi a escolhida para o papel de "mamãe" que dormiria com o "papai" no doce lar de Nando. Mau começara a  brincadeira e:
    - Hora de dormir! - ordenava papai Nando.
    Não foi o escorrer do nariz, nem a ressecada e armada cabeleira de Sophia que repeliram a atuação amorosa de Nando, mas sim a cotovelada nas costelas seguida do pescotapa que levara ao encochar a prima, que por sua vez correu a tagarelar para sua mãe o abuso do primo, que naquele dia não pode encarar ninguém dominado pela vergonha.
    "Isso acontece. É normal nessa idade."
    "Coitado, ele é criado só com meninas... É compreensível."
    "Já sabemos que o Nando não é um maricas."
    Nando ouvia de canto os comentários das tutoras, o acontecido passou como por desapercebido.
    No ano seguinte, Nando que era um aluno regular na escola estadual que frequentava, tinha como melhores colegas, três garotas de sua sala de aula, era o xodó da professora, até porque, não andava as aprontações com os moleques da turma. E foi numa festa junina escolar, que através de um correio elegante bem mandado, se tornou namorado de Joaquina, a prenda mais jeitosa do colégio. Namoro pré-adolescente, típico de cidade pequena, mãos dadas, encontros na praça do coreto após a missa de domingo e sorvete de cupuaçu. Saudavam-se com beijinho no rosto, mas vez ou outra, num canto aqui ou acolá, arrancavam-se  algumas bitocas na boca.
    Em casa nando aprendeu a ser discreto, não se ausentava dos olhares maternais (todos os três), cuidava-se principalmente com Mirella, cuja a cama passou a ser visitada por ele no andar macio da madrugada. E foi com ela que Nando se deliciou em sua primeira relação sexual aos dezesseis anos, Mirella que aos seus dezoito anos era muitíssimo mais madura que o primo, tratou e aconchegou aquele corpo sem forma que tremia vacilante por cima do seu.
    Nando já não dava tanta importância à Joaquina, e sem a necessidade de usar as palavras, foram se afastando, lenta e pacificamente ao fim do ano letivo.
    Fernando se sentia mais homem do que nunca, repetia a experiência com Mirella e aprimorava seu desempenho a cada dia.
    Naquele ano Nando namoraria a melhor amiga de Joaquina, a doce Bia, depois viriam ainda: Juliana, Ana Rosa, Maria das Dores, Mirian e até a filha do diretor, a pequena Luara. Para Nando não era necessário terminar um namoro para iniciar outro, e em casa, andava por conflitos com Mirella, por ter iniciado a vida sexual de Ana. Malú namorava um colega seu, só por isso escapou a seus domínios, pelo menos até aquele fim de ano na casa de uma amiga da família em Palmas.
    E assim, Nando em sua maioridade concluiu o ginásio e se lançou à Palmas, na capital teria mais campo a correr e garantir seu futuro, afim de dar um bom resto de vida a sua sofrida mãe. Trabalhava de dia e estudava de noite em cursos preparatórios.
    Aos vinte e um anos mudou-se para Imperatriz do Maranhão, onde conquistara uma bolsa de estudo. O curso? Pedagogia. Iniciava-se ali, uma jornada de estudos, onde, dos setenta e quatro alunos matriculados, apenas doze eram homens, quatro casados, dois religiosos fervorosos, três homossexuais e dois outros que não passaram do terceiro semestre. Ali estava Nando, rodeado novamente de mulheres, era aluno assíduo, mas adorava ser cuidado, deixando que as colegas de grupo se encarregassem de certos detalhes, como revisões, acabamentos finais e pesquisas mais detalhadas. sua liderança entre as colegas de curso era natural e invejável, era um ótimo orador e articulador, disputado pelos grupos de estudo.
    Nando não bebia, não fumava e raramente perdia uma noite de sono, a menos que fosse com uma bela representante do sexo oposto,  e em cima de uma cama. Visitava regularmente a casa onde cresceu, era festa quando Nando chegava, nos feriados santos, férias e mesmo em finais de semana surpresa.
    Mirella, Malú e Ana casaram-se, as duas últimas já eram mães, Sophia se conservava intragável e seguia para o ofício de "titia". As outras iam apontando para a vida e tinham Nando como herói. bem como as tias e sua mãe, que se regozijavam pelo sucesso do homem da família.
    Os anos de faculdade chegavam ao fim, e eram marcados na memória de Nando através das conquistas que colecionava, Joara, Sirleide, Conceição, Ana Maria, Cláudia, Michelle, Ariadna, Cristiane, Viviane, Tatiane e outras tantas "anes".
    Formado e bem remunerado, o agora Diretor Fernando Junqueira do Colégio São Damião em São Luís, casou-se com a professora Carla, e casou na hora certa, pois dali três meses, sua querida mãezinha partiu desta vida castigadora. Já no primeiro ano conjugal Carla engravidou, Nando ia contrariando a sua sina e era fiel a sua esposa. Fernando sonhava com seu herdeiro, chamaria-se Fernando Junior, e aos quatro meses da gestação a ultrassonografia afirmou: -É menino!
    Quanta alegria, iniciou-se a decoração do quartinho, os planos, os sonhos. Ensiná-lo a jogar bola, andar de bicicleta, rodar peão e é claro, os macetes do universo feminino, como cativar e conquistar uma mulher, uma não, muitas durante sua vida!
    Eis que, no sétimo mês de gestação, num rotineiro pré natal veio a bomba!
    -Sr. Fernando... - hesitou o médico. -O bebê está bem, tudo dentro do normal esperado por nós, porém... houve um... equívoco, em relação... ao...
    -Desembucha doutor, o que que há!? - indagou impaciente.
    -Nos enganamos em relação ao sexo... o senhor será pai de uma menina.
    Fernando ficou pasmo, não disse nada, saiu do consultório de olhos arregalados e andar robótico, caminhou com semblante assustado até o carro, e o dirigiu em profundo silêncio reflexivo até sua casa. Lá sentou-se em sua poltrona do papai, e naquele instante os sonhos com seu moleque foram substituídos por um trailer de sua vida, percebeu que não sabia como lidar com uma menina, paralisado ficou por cerca de vinte minutos, de repente, acordou num estalo e começou a folhear desesperadamente a lista telefônica.
    -O que procura Fernando? - perguntou assustada sua esposa.
    Com suor que lhe escorria e voz embargada gaguejou:
    -Um convento!


Rafael Chaaban.






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